As experiências dos Grupos com Portadores e Familiares

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O uso de si

O corpo é magnífico. Temos muitas capacidades, mas não estamos muito conscientes delas na maior parte do tempo. O corpo e a mente, quando bem treinados são capazes de ir a extremos. Poucos sabem disso ou já provaram desses fatos. Ou melhor, todos nós já provamos desses fatos, mas nem todos compreendem totalmente como foram os responsáveis por isso.

Somos responsáveis por nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos. Sempre. Costumamos, no entanto, ouvir que o outro “me magoa” ou “me faz feliz”.  Se estivéssemos com cem por cento de consciência do que estamos realmente fazendo quando entregamos todo esse poder ao outro, iríamos reformular nossa forma de usarmos nossas capacidades e também nossa forma de conversarmos conosco. E com urgência!

Fluição, condicionamentos, reformulação é o que acontece com nosso organismo a todo momento. Temos uma conversa interna ocorrendo todo o tempo em nós. O que digo para mim mesmo na maior parte do tempo? Qual é o meu foco na maior parte do dia? Essa conversa recorrente reforça todo o meu organismo e o reformula de tempos em tempos.

Todo o corpo se alinha com a forma de pensar, de agir e de sentir. Quando digo todo, me refiro a cada célula, literalmente. Não é à toa que sentimos, de imediato, a consequência da emoção no corpo físico. Depois do choro, a dor de cabeça. Depois da intensa discussão, a dor muscular. Depois da perda, a dor no peito.

E então? O que você tem contado para si durante sua vida? Quais histórias conta a si mesmo sobre como você é e como gosta das coisas? Pense bem! E lembre: seu corpo está sempre lhe ouvindo e respondendo de volta.

Esclerose Múltipla: o diagnóstico eternamente desafiador

Desenvolvi qualidades para administrar tantas mudanças?

Como ajudar sem me esgotar?

Qual é o limite do ajudar e do invadir? Quando ajudar?

Acho que meu familiar portador está sofrendo muito. (Mas, quanto??)

Me preocupo tanto com a doença dele que acho que estou me preocupando ainda mais que ele mesmo.

Quando não ajudo sinto culpa. Se ajudo penso que estou tirando a autonomia ou liberdade do portador, e aí fico ainda mais culpada.

As palavras acima são algumas das afirmações e questionamentos que surgem em encontros com familiares de portadores de EM. Nos encontros com portadores também temos um rol bem específico de perguntas e afirmações.

Nisso é que consiste ter EM: perguntas e mais perguntas. O que fazer? Quando fazer? Como fazer? Como dizer coisas delicadas aos familiares? Como falar com os portadores? São muitas as perguntas feitas por familiares e portadores nos mais variados momentos da doença.

O fato é que a Esclerose Múltipla é uma doença imprevisível e por isso, muito desafiadora. Requer que as pessoas envolvidas nesse diagnóstico ‘se estiquem’ o tempo todo para alcançar as metas que ele traça. É como se nunca fosse o suficiente. Se ontem você aprendeu alguma coisa, ótimo. Hoje tem uma nova para aprender.

E me refiro a todos os aspectos possíveis da vida: emocional, financeiro, amoroso, paternal, fraternal, social. Se você está agora usando bengala ou uma cadeira de rodas para se locomover, já pode falar sobre sua experiência de ir ao centro da cidade e ter que encarar pessoas caminhando muito rápido, esbarrando, ou o motorista do ônibus que em algum momento não teve muita paciência para esperá-lo entrar.

Esse é um pequeníssimo trecho que se refere à mudança social de um portador. É apenas uma das ‘esticadas’ que o portador precisa dar para se adaptar. Mas o familiar também precisa se adaptar. Se você é um familiar – pai ou mãe ou mesmo um cônjuge – sabe do que estou falando. Além do sofrimento de ver seu ente querido em situação diferente da que você desejou para ele, ainda tem que lidar com pensamentos sobre culpa.

Esses pensamentos de culpa aparecem muitas vezes para os familiares e em forma de questionamentos que citei acima, sobre como, quando e se deveria ajudar. Essas questões e muitas outras têm sido abordadas nos encontros com familiares e portadores, ajudando-os a ponderar sobre seus pensamentos, sentimentos e comportamentos. Pensar sobre si e sobre seu familiar é uma estratégia que traz alívio. Ouvir outras pessoas falando sobre experiências parecidas e sobre como fizeram para lidar traz segurança e uma direção.

Muito já ouvi sobre familiares e portadores que deixam de participar do grupo por medo de ver pessoas ‘piores’ que elas ou por que ‘ficar falando sobre a doença vai me deixar deprimido.’ Isso não passa de argumento de pessoas que ainda não desfrutaram de um grupo de apoio mútuo, onde o objetivo é fortalecer um ao outro através da empatia, cuidado e respeito.